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ISSN: 2359-0211

2015 - Mesa 6: Poder, Governo e Estado

Debatedores: Angela Facundo (FCRB) e Deborah Bronz (PPGAS/MN)


Etnografia de um artefato urbanístico: o “loteamento irregular”
Thomas Jacques Cortado - PPGAS/MN


Resumo: Se há muito que os antropólogos se interessam pelos modos de viver nas chamadas “periferias” das grandes metrópoles brasileiras, não se pode dizer a mesma coisa do modo como a ocupação das “periferias” se efetivou: o loteamento. Frutos de operações ao mesmo tempo comerciais e urbanísticas, atreladas ao direito fundiário, muitos dos loteamentos que surgiram na “periferia” do Rio de Janeiro a partir da década de cinquenta se tornaram “irregulares” para a prefeitura, nos anos oitenta. O objetivo desta proposta é mostrar como a figura administrativa do “loteamento irregular” foi sendo construída, com base em uma “etnografia dos documentos” (Harper, Riles) gerados pelas administrações públicas. Assim, defendemos o postulado de que o “loteamento irregular” não é só um tipo de assentamento precário mas também um “artefato gráfico”(Hull), uma entidade cuja natureza é relacionada à materialidade das práticas burocráticas. Veremos então que a “irregularidade” dos loteamentos decorre, antes de tudo, de incoerências na produção e circulação de documentos administrativos. Fundamentaremos nossa análise no caso específico do loteamento Jardim Maravilha, situado na Zona oeste do Rio de Janeiro, e foco da nossa pesquisa de doutorado. 

Palavras-chave: periferia, artefato, burocracia.


Fazer sofrer: os caminhos da governamentalidade pelas narrativas da dor e diagnósticos de depressão na Encosta da Serra, RS
Everton de Oliveira - PPGAS/Unicamp


Resumo: Neste trabalho busco analisar como a produção do sofrimento enquanto um estado corporal passível de clínica médica permite a produção cotidiana de governamentalidade. Para tanto, parto de minha pesquisa de campo realizada em uma comunidade de alemães da região da Encosta da Serra, RS. Pude acompanhar as consultas médicas e as visitas de agentes comunitárias de saúde da equipe de uma Unidade Saúde da Família. Durante as consultas, o diagnóstico mais comum era o de depressão, “nossa maior epidemia”segundo o médico da unidade. Contudo, no decorrer da pesquisa, percebi que entre moradoras e moradores aquilo que era chamado de depressão pela clínica médica se transformava em narrativas ético-morais sobre se judiar no trabalho, narrativas da dor que formavam e informavam sobre laços afetivos, parentes, família, casa, passado e o próprio lugar da comunidade. A aposta deste trabalho é que a produção do sofrimento enquanto estado clínico permitia a produção correlata de governo, na proliferação de casos de depressão que eram medicalizados e mapeados pela equipe de saúde da família. Neste sentido, a governamentalidade era atual, e sua produção era correlata com o lugar formado pelas narrativas da dor, formando igualmente um lugar de governo.

Palavras-chave: Governamentalidade – Sofrimento - Clínica


Belo Monte, a Grande Guerra: Análise do mecanismo de consulta prévia e a judicialização dos direitos indígenas numa perspectiva de estado-nação
Lidia Neira Alves Lacerda - PPGAS/UFG


Resumo: O presente projeto pretende lançar luz sobre o mecanismo de consulta prévia, com foco nas decisões e processos judiciais decorrentes da sua não aplicação, bem como os reflexos na constituição de diálogos interétnicos. Serão utilizados como material de análise os documentos acerca dos embates que estão ocorrendo no processo de construção da Usina Belo Monte. Com esta pesquisa buscarei reunir o acervo documental produzido nessas ações judiciais e interpretar antropologicamente os significados atribuídos por essas decisões judiciais sobre as “questões indígenas”, enquanto contidas num âmbito social em que se tencionam forças econômicas, políticas e culturais. A reflexão se deterá na consulta prévia por esta ter se apresentado como um possível instrumento de interlocução e resolução de conflitos entre estado-nação e povos indígenas. Neste contexto, problematizarei igualmente, a suposta simetria dos poderes no estado-nação, a construção dos ideários de modernidade e o exercício da colonialidade, numa suposta ordem legal que, teoricamente, assume o compromisso de garantir igualdade entre todos os sujeitos e grupos identitários distintos.

Palavras-Chave: Consulta Prévia, Estado-Nação e Colonialidade.


Dominação e Jogo do Bicho nas Escolas de Samba do Carnaval Carioca
Vinicius Ferreira Natal - PPGSA/UFRJ


Resumo: Nessa comunicação abordaremos a relação do Jogo do Bicho com as escolas de samba do carnaval carioca, observando como a tríade Maussiana – dar, receber e retribuir – dá fôlego à ideia de dominação carismática, cunhada por Max Weber, dentro desse campo de manifestação da cultura popular. Falar de jogo do bicho, hoje, ainda é um assunto tabu não só nos estudos acadêmicos de Ciências Humanas e Sociais, mas também no mundo social concreto, o vivido, das escolas de samba do Rio de Janeiro, principalmente no que tange às relações dos sujeitos e a circulação do dinheiro. Entretanto, é instigante – e necessário – pensar essas relações para melhor compreendermos a dinâmica de poder que essa célula ainda exerce na cidade, considerada ilegal pelo estado, mas com forte aceitação social em alguns espaços. Como se dá a relação entre bicheiros e sambistas? Que estratégias os mecenas utilizam para obterem prestígio – e, por conseguinte, dominarem os seus dentro da escola? O que dão e o que recebem em troca desse prestígio? São essas algumas das questões que abordaremos nesse trabalho.

Palavras-chave: Dominação; Carnaval; Jogo do Bicho


“O delegado tem o poder de dizer o que é e quem é”: senso de justiça e fianças na Polícia Civil do Rio de Janeiro
Marcus José da Silva Cardinelli - PPGA/UFF


Resumo: Na Polícia Civil do Rio de Janeiro, notei como a diversidade de descrições e de interpretações sobre os fatos eram usadas para justificar certas finalidades. A partir de um discurso de se “fazer justiça”, se interpretava o direito legal. Certos delegados costumavam explicitar sobre suas funções que “O delegado tem um poder imenso!”; “É o delegado que diz quem está preso e quem está solto”. “É quem tira a liberdade por qualquer crime, perturbação ou desacato”. “Aplico fiança alta; coloco furto ou roubo como eu quiser; qualquer trombada que seria furto com destreza, eu arrumo um roubo qualificado; prendo por resistência ou desacato; coloco no tráfico em vez de no uso.”. Conforme foi dito e demonstrado para mim, primeiro se decidia, depois se construía a interpretação jurídica adequada para o fato. Era nesse sentido que a interpretação do delegado de Polícia se constituía em um poder. Ele podia decidir, naquele momento, se iria classificar como um crime mais leve ou um crime mais grave. É o exemplo do uso e do tráfico de drogas. Exemplo, também, do furto e do roubo. O impacto de uma decisão como essa não é pequeno. No caso do uso e do tráfico, além da disparidade das penas, isso promovia um procedimento mais complexo e, na prática, uma prisão provisória. Essa decisão estava diretamente relacionada com a escolha de manter alguém ali no cárcere ou soltar. Desse modo, com o discurso de se “fazer justiça”, alguns delegados da PCERJ impõem punições e reatualizam relações de poder.

Palavras-Chave: polícia; poder; fiança