ISSN

ISSN: 2359-0211

2015 - Mesa 16: Cosmologias: Simetria e Contato

Debatedores: Orlando Calheiros (PPGAS/MN) e Ana Carneiro (PPGAS/MN)


Autonomia e ch’ulelización: algumas reflexões sobre cosmopolíticas zapatistas
Ana Paula Morel - PPGAS/MN


Resumo: O Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) e suas bases de apoio são formados predominantemente por indígenas falantes das línguas tseltal, ch’ol, tsotsil e tojolabal que vivem na região de Chiapas, México. O movimento apareceu para o público a partir do levante armado de 1 de janeiro de 1994 e desde seu surgimento foi marcado pela relação entre indígenas e grupos de esquerda kaxlans (mestiços e brancos em tsotsil e tseltal) articulando, com isso, diferentes ontologias políticas. Percebendo esse contato como uma relação entre partes que se influenciam e modificam mutuamente, nossa proposta é, a partir de estudo etnográfico realizado nos espaços educativos e políticos onde os indígenas zapatistas convivem com kaxlans, como a Escuelita Zapatista e o Centro de Español y Lenguas Mayas Rebelde Autónomo Zapatista (CELMRAZ), identificar as cosmopolíticas geradas nesses encontros. Considerando que, atualmente, se acentua no movimento sua perspectiva autônoma ao Estado (através de instituições e todo um modo de vida que se constrói de maneira autogestionada e paralela ao Estado mexicano) e a afirmação de seu caráter indígena, tomaremos as ideias zapatistas sobre ch’ulelización e autonomia como conceitos que possibilitam uma potente crítica ao capitalismo, ao Estado e aos modos de subjetivação a eles vinculados.

Palavras-chave: zapatismo, autonomia, cosmopolítica


Conflitos ontológicos na controvérsia sobre o projeto de mineração Conga, Peru
Adriana Paola Paredes Peñafiel - PGDR/UFRGS


Resumo: Neste artigo analiso as diferenças ontológicas mobilizadas pelas pessoas como resultado de ações causadas pelo projeto de mineração Conga, que sacrificará importantes lagoas na região de Cajamarca, Peru. Nesse contexto, os camponeses do centro poblado “El Tambo” têm se organizado para vigiar a lagoa Mamacocha que, antes do conflito, muitos não a conheciam. A partir de pesquisa de abordagem etnográfica entre 2013 e 2014, observei que a relacionalidade dos camponeses com Mamacocha é ativada pela realidade da experiência vivida com a água que passou a desaparecer em 2011, mas que é coproduzida em “encontros” com outras concepções ontológicas. Tais encontros “desenterraram” histórias orais guardadas na memória local. Indo além de uma representação essencialista do conhecimento indígena versus o científico, são os diferentes regimes de relação com a água que intensifica uma colaboração entre os coletivos. O efeito é a emergência de“Mamacocha estendida”, sinalizada nas manifestações como “obra de Deus”, “água que alimenta”, e “aquíferos” e, a sua vez, os camponeses como “guardiões das lagoas”. Outro efeito é a reconfiguração de práticas (oferendas às lagoas) contestando que as lagoas sejam categorizadas como simples água de uso secundário para a agricultura. 

Palavras-chave: Ontologias; Mineração; Conga.


Estudos Complementares do Rio Bacajá: mejxtere, kaigó, punure. Um debate sobre a produção de um laudo de impacto ambiental 
Thais Mantovanelli - PPGAS/UFSCar


Resumo: Como se produz um Estudo de Impacto Ambiental? O objetivo aqui é apresentar o processo de elaboração de dados e redação dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, um estudo de impacto ambiental realizado na Terra Indígena Trincheira-Bacajá decorrente da construção do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte na região do Médio Xingu. Através do acompanhamento das equipes de especialistas nas aldeias, durante a etapa de coleta de dados, e do descontentamento dos Xikrin com o resultado final do laudo, intenta-se problematizar a forma de realização desse tipo de estudo. Como garantir a presença e a voz dos conhecimentos dos povos indígenas nesses documentos? Com essa questão colocada pelos Xikrin, durante a apresentação do resultado final dos Estudos, pretendo tornar visíveis as teorias dos Xikrin sobre a relação hidrológica do rio Bacajá com o rio Xingu e suas previsões de impacto, que foram obliteradas pela versão final do documento.

Palavras-chave: Xikrin Mẽbêngôkre, laudo de impacto ambiental, regimes de conhecimento, etnologia indígena.


Os Brancos e os Outros
Roberto Romero - PPGAS/MN


Resumo: “Antigamente, não havia religião, espíritos” – explicou certa vez o pajé Toninho Maxakali – “nós morávamos no mato até uns dois, três meses e então se reunia pra marcar outro lugar para mudar, aí encontrava espírito!”. As narrativas tikmũ’ũn remetem sempre a um passado de incessantes deslocamentos, através dos quais os antigos mõnãyxop travaram encontros diversos com uma miríade de povos-espíritos, os yãmĩyxop, que desde então nunca deixaram de lhes visitar em suas aldeias, trocando com eles cantos e comida. A partir de algumas narrativas sobre como os mõnãyxop encontraram os espíritos, o presente trabalho pretende retomar o encontro dos Tikmũ’ũn com os brancos, por eles chamados ãyuhuk. Interessa-me aqui especialmente extrair algumas consequências de uma analogia muito frequente em várias cosmologias indígenas do contato, aquela entre “brancos” e “espíritos”. Afinal, se “os espíritos são outros”, como formulou recentemente Davi Kopenawa, então seria justo supor que os outros, entre outros, sejam qualquer coisa como espíritos?

Palavras-chave: etnologia indígena; cosmologias do contato; maxakali


“Índios do mato” e “índios de fora”: diferença e relação entre os Pataxó Hã Hã Hãe
Hugo Prudente da Silva Pedreira - PPGAS/USP


Resumo: Os Pataxó Hã hã hãe entendem a sua vida social como uma vida em meio à diferença, as famílias ou etnias que compõem o coletivo estão “misturadas” e viver assim é ser constantemente desafiado pela divisão; tanto quanto aponta para um movimento nunca acabado de aproximação, de tornar-se “uma parentagem só”. Assim também contam a sua história. Diferentes povos indígenas, com relações diferentes com o mundo dos brancos se reuniram na Reserva Caramuru a partir de 1926, quando tem início a atuação do SPI no sul da Bahia. Sob a temível diferença do Estado e dos “contrários”, os índios souberam articular as suas diferenças e fazerem-se “parentes”. As imagens recíprocas desta diferença próxima oferecem um rico material para o entendimento deste processo de aparentamento. Índios de fora, que “sabiam labutar com ferramenta”, índios do mato, que “comiam insosso” e tinham muito medo de alma e da onça cabocla (sua parente), “índios conquistados” que se acostumaram ao branco, ao sal, às roupas... São algumas dessas imagens que também informam as diferenças atuais entre as etnias. As grandes diferenças entre Kariri-sapuyá, Tupinambá, Kamakã, Baenã e Pataxó, estão envolvidas em pequenos afastamentos, esquivas tão sutis como o riso, e pela contínua aproximação. 

Palavras-chave: Memória do contato, Diferença, Parentesco